Tropeirismo

O QUE É TROPEIRISMO

Para responder  a esta pergunta é importante que recuemos ao Brasil do início do século XVIII  (1.701 a 1800), quando as cargas terrestres eram transportadas nas costa dos índios e dos negros escravos, auxiliados pelos poucos cavalos. que eram criados no sudoeste, no oeste e no nordeste brasileiros. Para se ter uma idéia desta carência, vale a pena registrar que nem o Exército do Brasil, enquanto colônia e reino, dispunha de cavalo para as suas ações. A maioria dos soldados seguia a pé, por falta de montaria. 

E nessa época, final do século XVII, que ocorre a grande corrida do ouro e das pedras preciosas, nas Minas Gerais.


Muda o Brasil.                      
Milhares de brasileiros e portugueses se deslocam para as minas, tentando fortuna.    A lavra do ouro nas montanhas mineiras assumiu tal dimensão, que o braço escravo já não dava conta e os cavalos não tinham força para trabalhar no terreno acidentado.

A superpopulação passou gerar problemas de abastecimento, muita gente para pouca comida.

 Ninguém queria ganhar míseros tostões, plantando feijão, mandioca e milho, enquanto a cata de ouro era extremamente lucrativa.

No sul do Brasil estava a solução para o problema das minas gerais: manadas de burros e mulas, animais fortes e vigorosos qualificados para o transporte de carga, mesmo em regiões acidentadas e de difícil  acesso.

Esses animais já haviam dado resultado, trabalhando nas minas de prata do Peru e da Bolívia.      

E agora que essas minas estavam em decadência, as manadas de muares cresceram mais ainda, nas campinas do Uruguai, Argentina e Rio Grande do Sul.

Havia muares sobrando.

Quem primeiro vislumbrou esse quadro foi o paulista Bartolomeu Paes de Abreu, bandeirante e grande criador de gado nos campos de Curitiba, que em carta dirigida ao rei, em 1720, pedia regalias para abrir um caminho entre o Sul e São Paulo, para o escoamento das tropas de burros e cavalos para atender as necessidades de outras regiões do país. Dizia ele:
"Toda esta campanha do Rio Grande para adiante produz gados vacuns e cavalgaduras em grande quantidade, sem mais utilidade para a real coroa de Vossa Majestade, senão a fabricação de couros nesta mesma colônia".

Em seguida, defende a  necessidade de enviar animais para São Paulo, mas lembra que para tanto era urgente que se abrisse o "caminho pelo interior do sertão do Rio Grande do Sul a São Paulo".      
A ideia foi boa, mas quem a colocou em pratica, efetivamente, foi Francisco de Souza Faria que, em 1728, sob ordens oficiais, partiu com sua expedição, dos campos de Viamão, subiu a Serra Geral, alcançou a Vacaria dos Pinhais, atravessou o alto Iguaçu, chegando até as proximidades da Vila de Curitiba.      

Dessa expedição nasceu a estrada de Viamão a São Paulo, pois o trecho de Curitiba a São Paulo já existia.    

 Aberto o primeiro caminho, ele vai ser consolidado pelo português Cristóvão Pereira de Abreu, rico comerciante da Colônia do Sacramento, que leva a primeira tropa, do Rio Grande do Sul até Minas Gerais.

 A sua viagem levou 13 meses entre 1731 e 1732, com 160 peões, conduzindo 3.000 de mulas, burros e cavalos, adquiridos na Colônia do Sacramento.

Era o início do fenômeno chamado TROPEIRISMO, que se constituía no deslocamento das tropas de muares xucros do Rio Grande do Sul para Sorocaba, no Estado de São Paulo.

A partir de Sorocaba abria-se um leque de caminhos buscando os lugares mais distantes; as zonas mineradoras dos sertões, o porto do ouro, no Rio de Janeiro, o Centro Oeste e o Nordeste, onde quer que estivessem os consumidores dos animais cargueiros.

Com o correr do tempo - o tropeirismo durou 200 anos - outros caminhos foram abertos, atendendo a conveniência das regiões criadoras.       Depois do caminho de  Viamão a Sorocaba, que foi o primeiro, surgiram dois outros; o da Nova Vacaria, que procedia da região  de Cruz Alta e o Caminho de Palmas, todos eles desembocando em Ponta Grossa e daí para frente com roteiro único até Sorocaba.     Levar esses animais para São Paulo, uma caminhada de cerca de 2.000 quilômetros entre matas e campos desertos, montados em lombo de burro por meses a fio, era uma tarefa para gigantes, para gente valente, assim eram, na verdade, os tropeiros.
Até aqui falamos somente das tropas xucras ou soltas, que eram formadas no Rio Grande do Sul e conduzida até Sorocaba onde realizava a grande Feira de Muares, que vendia os animais para todo o Brasil. Eram dezenas e tropas que deixavam os campos gaúchos todos os anos, cada uma com 700, 800 e até mil cabeças, chegando a concentrar até 30 ou 40 mil animais nas feiras de Sorocaba. A tropa xucra, o burro ou a mula era a mercadoria vendida para formar a tropa cargueira.       Então vem a segunda pergunta:
O QUE ERA A TROPA CARGUEIRA

Sorocaba recebia compradores de todo o país.      Eram fazendeiros de toda espécie, que necessitavam dos animais para suas atividades agricultas, eram comerciantes urbanos, que usavam as mulas para entrega de suas mercadorias ou mesmo os serviços públicos, como de coleta de lixo ou construção de estradas. Compravam a mulada ainda xucra e após domá-la, punham-na para trabalhar. O burro era pau pra toda obra, era montaria, rodava engenho e arava a terra.   Mas sua missão mais importante era o transporte de carga para toda a riqueza que se produzia no Brasil, acomodada em balaios, cestos, bruacas e jacás, levava produtos do campo e trazia os artefatos das da cidade.       Enquanto a tropa xucra limitavam as suas rotas, aos poucos caminhos entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, a tropa cargueira cruzava todos os caminhos e estradas do Brasil. Onde existisse uma carga a ser transportada de sítio a sítio, de fazenda a fazenda, de estância a estância, de cidade a cidade, do litoral para o interior, lá estava presente o burro cargueiro. O prof. Mário Gardelin, baseado em documentos oficiais, conta que em 1899, existiam em Caxias do Sul. 2.321 propriedades agricultas 139 proprietários de tropas, que ocupavam 979 mulas, responsáveis pelo transporte da produção local. Assinala ainda, como curiosidade que os pequenos tropeiros, que tinham menos que seis mulas cargueiras, eram isentos de imposto.
Saint Hilaire, o cientista francês que visitou o Brasil por volta 1818, conta em seu relato que o capitão-mor de Jundiaí comprava todos os anos um milhar de burros e até mais para a formação das tropas cargueiras que levavam provisões para Goiás e Mato Grosso.   Em Santos, principal cidade portuária de São Paulo, observou que quase todos os dias chegavam centenas de burros carregados de produtos do interior e partiam, cada dia, outros tantos, levando para São Paulo mercadorias da Europa e de outras parte do globo.
POR  QUE  O  BURRO?
Burro no masculino, mula no feminino, este era o animal mais resistente para as tropas cargueiras,.    Mais forte e mais resistente que o cavalo, tanto para carregar  cargas pesadas, como para vencer grandes distância e trabalhar com a mesma eficiência nos terrenos ingremes e montanhosos,    Enquanto um burro carregava um terço de seu peso, num percurso de até 28 quilômetros por dia, um cavalo não suporta nem a metade.   Acomodada em dois cestos ou balaios, um de cada lado, um burro chega a transportar de 120 a 150 quilos.        Estas qualidades explicam porque o burro é preferido para o transporte de carga.          E explica também porque custava três vezes mais caro que um cavalo.          O único equídeo da tropa era a égua madrinha, que seguia à frente, com seu cincerro, indicando o caminho que a tropa deveria seguir.        E sabem porque a tropa de mulas e burros segue, fielmente, a égua-madrinha?        A égua é a mãe da tropa , mãe de todos os burros e mulas, tem o carinho e o afeto e o respeito de todos eles.
O burro ou mula é um animal híbrido, ou seja, o resultado do cruzamento de duas espécies diferentes, o jumento, que é asinino e a égua, que é equídeo.   Por essa razão é um animal infértil, ou seja, não pode ter filhos.
 A  VIAGEM  CARGUEIROS
Um lote de tropa cargueira era constituído, de 8 a 12 animais, cada um carregando 150 quilos de mercadoria.   Percorriam, em média,20 a 22 quilômetros por dia, com uma parada para pouso a cada 10 quilômetros.   Nos percursos mais longos, de 200, 300 ou mais quilômetros, o desempenho da tropa era menor, devido o desgaste que essas distância causavam aos animais e aos tropeiros .   \nas viagens mais longas, para que houvesse compensação econômica. as tropas eram formadas de 4 ou 8 lotes de cargueiros, cada lote com 10 cabeças.   Isto quer dizer que uma grande tropa cargueira poderia ter até 80 animais, transportando um total de 12.000 quilos de mercadorias.   A tropa paulista era  composta de três a quatro lotes, sendo 12 animais de cada lote.   A comitiva era formada por um madrinheiro, que fazia também as funções de cozinheiro. um peão para cada lote, um arrieiro (um tipo de faz-tudo, que cuidava da saúde dos animais e da manutenção das tralhas), o capataz e o tropeiro patrão.   Quando a tropa tinha cozinheiro e madrinheiro, este último era sempre um menino de mais 12 anos.   O madrinheiro ia à frente tocando a égua madrinha com o seu cincerro e em seguida, também equipada de cincerros, vinha a besta dianteira.   Depois em fila indiana, as mulas cargueiras e fechando o lote, a mula culatreira, que além da carga, levava também as tralhas da cozinha.   A viagem começava com o nascer do sol.      No primeiro dia pouco marchava, apenas o suficiente para acertar a carga e demais detalhes da jornada.          Daí para frente a tropeada ganhava ritmo normal.         A tropa percorria de 6 a 8 quilômetros na fresca da manhã e parava ao meio dia, próximo a uma aguada, os peões descarregavam os animais, almoçavam, sesteavam e retomavam a marcha duas horas depois, seguindo até as cinco horas da tarde, quando se dava a parada para o pouso.   Nos primeiros anos. os pousos eram ao relento, debaixo de uma árvore, com os tropeiros protegidos por ponches, cobertores ou pelo ligal, que podia ser usado como cama ou coberta.   Ligal era uma manta grande de couro cru, utilizada para cobrir a carga das mulas, protegendo-a do sol, da chuva e da poeira.     Mais tarde, com o aumento das tropas cargueiras, o governo começou a instalar pousos para tropeiros, constituídos de ranchos abertos e cobertos de sapé, que ofereciam alguma proteção aos peões e a carga.             Ao redor desses pousos surgiram centenas de cidades brasileiras.
Isso foi o tropeirismo, que chegou a ser, no seu auge, a segunda economia do país, perdendo apenas para a cana-de-açúcar, ele apresenta algumas variações no decorrer do tempo e algumas diferenças de região para região.   A partir de um certo momento, por exemplo, nos meados século XIX, apenas algumas tropas eram levadas, diretamente para São Paulo.
A maioria era conduzidas em qualquer período do ano, até os Campos Gerais, hoje Estado do Paraná, onde era invernada, seguindo depois para Sorocaba, na épocas das feiras, geralmente nos meses de abril e maio.       Existiam, então grupos de tropeiros, geralmente gaúchos e castelhanos, que entregavam tropas na região de invernadas, enquanto outro grupo era encarregado de levar as tropas até Sorocaba, São Paulo e  Rio de Janeiro.
Alguns autores mais recentes passaram a identificar terceira tipo de tropa:

A TROPA PICADA. 
 Na verdade eram tropilhas, de 30 a 50 animais no máximo.   Durante as viagens, eram comercializadas, para atender as regiões que se situavam ao longo do caminho.   Em Itararé, por exemplo, na divisa do Paraná com São Paulo, concentravam-se muitos tropeiros paulista, comprando pequenas tropas para venderem em outas regiões de São Paulo, especialmente na região cafeeira.    "Picar mula para o oeste", era a expressão usada.
Finalmente, é fundamental deixar claro que os tropeirismo não se limitou à condução de muares.   O comércio de burros e mulas foi o mais importante, mas ocorria, no mesmo tempo, a condução de boiadas e manadas de cavalos que eram criados nos Campos Gerais de Curitiba.
O Registro de animais de Sorocaba, onde os tropeiros recolhiam os impostos das tropas, acusa, em 1.822, ano da Independência, a passagem de 20.761 muares, 2.208 cavalos e éguas e 7.503 bovinos.   O comércio de muares foi fundamental, como meio de transporte, para economia brasileira, pelo menos 150 anos, até a década de 60 do século XIX, quando o aparecimento da ferrovia começou a reduzir a sua utilidade.   Mas foi o advento das estradas de rodagem e dos caminhões nas primeiras décadas do século XX, que aposentou, de vez, os tropeiros e as mulas, que tiveram. papel preponderante no desenvolvimento do Brasil.
Concluindo vou repetir as palavras da historiadora Maria Tereza Schorer Petrone, que assim avalia a importância do tropeirismo: "A Indústria das Tropas desempenhou um papel de grande relevância na economia brasileira, desde a abertura do caminhos do Sul. Transforma-se em elo de integração do sul país na economia colonial brasileira,contribuindo, inclusive, para assegurar sua posse definitiva ao domínio português.

 A FINAL, QUEM É E O QUE É O TROPEIRO?
Tropeiro, peão, dono de tropa, capataz   Na tropa cargueiro chamavam também de condutor de tropa.   No Rio Grande do Sul é tropeiro quem conduz mula, bois, porcos e até perus.  Todos são tropeiros.   No Mato Grosso também.   Em São Paulo quem conduz boiada é boiadeiro.       No Nordeste, a tropa cargueira  é chamada de comboio e o seu condutor é o comboieiro.
Não importa o nome que tenha, importa a relevância de seu trabalho na construção do Brasil desde os tempos coloniais até a república, passando pelo o reino e pelo império.   Deram destino às riquezas produzidas e alargadas pelos bandoeiros.   Era, enfim, como dizem os historiadores "o mensageiro da civilização".  Hoje, os caminhões rasgam as estradas brasileira de norte a sul, levando a carga dos burros, enquanto o tropeiro repousa no amor que lhe devotamos, no reconhecimento das atuais gerações que vive o conforto do país moderno, que eles edificaram com muita bravura e valentia.

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